January 26, 2017

A ausência da evidência é uma evidência da ausência? Achados “negativos” em pesquisas e revisões sistemática

A ausência da evidência é uma evidência da ausência? Achados “negativos” em pesquisas e revisões sistemáticas

Às vezes eu me sinto frustrado quando leio uma pesquisa e os autores relatam que não existe diferença entre os tratamentos e que mais pesquisas são necessárias. Entretanto, a interpretação desses achados negativos estão longe de ser simples. Eu espero abordar isso nesse post.

É fácil interpretar esses resultados “negativos” sugerindo-se que o tratamento não teve efeito. Embora esse possa ser o caso, isso nem sempre está correto. Isso tem sido discutido há muitos anos e vários pesquisadores têm afirmado que a “ausência da evidência não significa evidência da ausência”. Em outras palavras, se nós não encontramos diferença num estudo, então é incorreto afirmar que o tratamento “não funciona”. A única coisa que nós podemos concluir é que o estudo não detectou diferenças entre os tratamentos.

uncertainty

Por que os achados “negativos” acontecem?

Agora eu vou considerar as possíveis razões para os achados “negativos”. Em primeiro lugar, o novo tratamento pode, de fato, não ser melhor que os outros tratamentos investigados. Outra possibilidade é que o estudo possa não ter poder suficiente para detectar uma diferença mesmo que ela exista, o que significaria que o estudo não foi bem delineado.

Agora você pode perguntar: – Como eu vou saber quando o estudo não tem poder suficiente?

Isso é relativamente simples. Quando você ler uma pesquisa, certifique-se de que os autores conduziram um cálculo de tamanho da amostra. Se eles o fizeram, em seguida olhe atentamente para o seguinte:

  • As premissas que eles fizeram para o cálculo foram realistas e clinicamente significantes?
  • As fontes dos dados que eles utilizaram para o cálculo foram citadas claramente?
  • O cálculo da amostra foi baseado na mesma medida de desfecho que foi testada no estudo?

É surpreendente como esses três erros são cometidos em pesquisas publicadas. Se esses fatores não estiverem claros, então você pode concluir que o estudo pode estar com pouco poder e isso pode ser uma explicação ainda mais constrangedora para a ausência de diferença entre os tratamentos investigados.

 

E se o achado da “ausência da diferença” for verdadeiro?

Agora eu vou considerar a situação na qual o achado da “ausência da diferença” é verdadeiro. Nós podemos chegar a essa conclusão quando o estudo tiver poder suficiente. Apesar disso, nós ainda precisaremos ser cautelosos em nossas conclusões. Olhando para alguns dos meus primeiros trabalhos sobre o tratamento da Classe II, eu concluí que:

“O tratamento ortodôntico precoce com o aparelho Twin-Block seguido de um tratamento complementar na adolescência, no momento apropriado, não apresenta diferença no longo prazo quando comparado ao tratamento em uma fase iniciado na dentição mista tardia ou no início da dentição permanente”.

Se nós olharmos para essa conclusão cuidadosamente eu acho que ela está correta, pois eu afirmei que nós não detectamos uma diferença. Teria sido muito mais fácil para mim concluir que o tratamento ortodôntico precoce não era efetivo. Infelizmente, eu sei que eu disse isso em várias apresentações nos dias seguintes ao nosso estudo e eu caí no mesmo erro comum que eu descrevi acima.

Como nós aumentamos a nossa certeza sobre os achados “negativos”?

Nós precisamos nos lembrar que o objetivo da pesquisa é reduzir a incerteza. Tendo isso em mente, quando combinamos o resultado de vários estudos robustos e bem conduzidos em uma revisão sistemática, aumentamos o poder do nosso estudo e passamos a ter mais certeza. Um exemplo disso seria quando vários estudos de uma revisão sistemática fornecem dados que mostram a “ausência da diferença”. Nesse caso, nós poderíamos concluir com maior certeza que o tratamento não foi efetivo. Essa foi a abordagem numa revisão sistemática sobre o tratamento da Classe II, onde nós concluímos:

“Não existe vantagem no tratamento em duas fases, ou seja, dos 7 aos 11 anos de idade e, novamente, na adolescência, quando comparado ao tratamento em uma fase na adolescência”.

No meu último post, eu discuti uma revisão sistemática que encontrou uma pequena evidência para dar suporte ao tratamento precoce. Foram muito poucos estudos. Mais uma vez, isso levanta a questão da ausência da evidência. Nós podemos interpretar isso da mesma forma. Nós não podemos concluir que o “tratamento precoce não funciona”. Tudo o que podemos dizer é que nós não temos evidência de que ele funcione.

Quais são as implicações clínicas?

Finalmente, vale a pena considerar as implicações clínicas dessa discussão. Quando a evidência da “ausência de efeito” é clara, podemos explicar para o nosso paciente que um tratamento não tem vantagem sobre o outro. Porém, se não existem estudos ou os achados não são robustos por conta de vieses ou falta de poder estatístico, então nós devemos informar aos nossos pacientes que nós não sabemos se um tratamento é melhor do que o outro. Essa informação pode ajudá-los a tomar uma decisão informada.

Eu espero que você ache essa discussão útil na interpretação de estudos “negativos”.

 

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Related Posts

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *