March 26, 2018

Uma robusta revisão sistemática da Cochrane nos diz bastante sobre o tratamento da Classe II.

Nós atualizamos a nossa revisão da Cochrane sobre o tratamento da Classe II. Os resultados são interessantes e clinicamente relevantes.

Ao se inscrever para fazer uma revisão sistemática da Cochrane você tem que concordar em mantê-la atualizada. Este post é sobre a atualização da revisão que foi publicada nesta semana. Vou declarar um conflito de interesse, pois sou um dos coautores deste artigo que ainda inclui dados de outros estudos em que participei.

Orthodontic treatment for prominent upper front teeth (Class II malocclusion) in children and adolescents.

Cochrane Database of Systematic Reviews 2018, Issue 3. Art. No.: CD003452. DOI: 10.1002/14651858.CD003452.

Batista KBSL, Thiruvenkatachari B, Harrison JE, O’Brien KD.

Um grupo de Manchester, Norte da Inglaterra, fez este estudo. O autor que conduziu foi Klaus Barretto-Lopes, que trabalhou conosco por um ano e retornou ao Brasil. Ele faz a excelente tradução do meu blog para o português.

Nós tentamos responder três questões principais:

  • Quais são os efeitos do tratamento feito em 1 ou 2 fases (precoce versus tardio)?
  • Quais são os efeitos do tratamento tardio com aparelhos funcionais versus controles sem tratamento?
  • Existem diferenças nos efeitos entre os vários tipos de aparelhos funcionais?

O que nós fizemos?

Nós seguimos a metodologia padrão da Cochrane e somente incluímos estudos clínicos randomizados na revisão. A PICO foi:

Participantes: Crianças recebendo tratamento ortodôntico para a correção de incisivos superiores projetados;

Intervenção: Qualquer tipo de aparelho funcional;

Controle: Tratamento postergado ou ausência de tratamento ou outro aparelho funcional;

Desfecho: O desfecho primário foi o overjet. Os secundários foram a relação esquelética, danos e autoestima.

Nós fizemos buscas eletrônicas padrão e relevantes buscas manuais. Nós avaliamos os estudos com vistas aos vieses com a Ferramenta da Cochrane para risco de viés.

O que nós encontramos?

Após a aplicação dos filtros usuais, nós selecionamos uma amostra final de 27 estudos que forneceram dados de 1251 participantes. Estes foram divididos em:

  • Quatro estudos avaliando o tratamento precoce em crianças com idades entre 7 e 11 anos de idade;
  • Vinte avaliando o tratamento de crianças com idades entre 10 e 15 anos de idade;
  • Os sete estudos restantes avaliaram as crianças entre 9 e 13 anos de idade.

Nós dividimos os estudos em dois grupos principais:

  • Aqueles que avaliaram o tratamento precoce (em duas fases) e acompanharam os participantes até todo o tratamento ser concluído durante a adolescência;
  • Estudos sobre o tratamento tardio (adolescente) – em uma fase.

Nós encontramos que a maioria dos estudos foram classificados como possuindo um risco de viés alto ou incerto. Na maioria das vezes isto ocorreu devido à problemas com o cegamento, a ocultação e a randomização. A outra razão principal foi o viés de atrito devido aos que “pularam fora” do estudo. Eu devo retornar a isto mais tarde.

Os nossos principais achados foram:

Tratamento precoce

Quando o tratamento foi feito precocemente, o único efeito do tratamento foi uma redução de 12% na incidência do trauma incisal. Ao final do tratamento completo, 19% do grupo que foi tratado precocemente teve trauma incisal, ao passo que 31% dos que não receberam tratamento precoce tiveram trauma.

Não existiram efeitos do tratamento precoce sobre a oclusão final, a autoestima e o padrão esquelético.

Tratamento na adolescência

Ficou claro que os aparelhos funcionais reduziram os overjets dos pacientes. Foi interessante que os aparelhos removíveis funcionais reduziram estatisticamente o ANB em 2,37 graus (95% IC 1,7-2,37). O uso de aparelhos fixos funcionais não teve um efeito significativo.

Existiram pequenas diferenças entre o Twin Block e os outros aparelhos funcionais.

O que eu achei?

Por conta do conflito de interesses eu não posso comentar sobre a qualidade desta revisão. Porém, ela é uma revisão da Cochrane e a Cochrane exige um alto padrão.

Quando penso nos achados, observo vários pontos importantes que devemos levar em consideração. Em primeiro lugar, a ferramenta de análise de risco de viés identificou vários problemas importantes. Isto quis dizer que a força da evidência para os achados mais importantes foi de baixa a moderada. Isto não é incomum em revisões da Cochrane.

Acho que é importante ressaltar que existiu um grande efeito devido ao viés de atrito. Infelizmente, isto é uma característica da maioria dos estudos ortodônticos, por conta da duração dos nossos tratamentos e da dificuldade do retorno dos pacientes no longo prazo. Apesar disto, o problema está lá e devemos interpretar os achados levando isto em consideração.

Talvez o dado mais importante que encontramos esteja relacionado à redução do trauma no tratamento precoce. A força da evidência foi moderada. Como de costume, levando-se em conta os achados da redução percentual, devemos nos lembrar que mesmo quando o tratamento precoce foi feito, 19% das crianças tiveram algum tipo de trauma incisal. Apesar disto, estes são achados interessantes.

Os dados dos tratamentos nos adolescentes também foram clinicamente relevantes. É importante observar o tamanho do efeito que encontramos. Por exemplo, os aparelhos removíveis funcionais reduziram o ANB em 2,5 graus (baixo nível de evidência). Vai depender de você decidir se isto é clinicamente significante.

Acho que podemos concluir que os aparelhos funcionais são efetivos em reduzir os overjets e a maior parte desta redução se deve aos movimentos dentários. Existe alguma mudança esquelética, mas ela é pequena. Nós não fazemos as mandíbulas crescerem com os nossos aparelhos.

Resumo

Esta foi uma revisão grande e complexa que analisou uma grande quantidade de dados e de pacientes. Eu acho que as principais conclusões são:

  1. O tratamento precoce resulta em redução do trauma incisal, mas ele não elimina o trauma;
  2. Existe ausência de evidência de qualquer outro tipo de benefício do tratamento precoce;
  3. O tratamento na adolescência com aparelhos funcionais reduz o overjet. Existem mínimas diferenças entre os aparelhos. Nós não fazemos as mandíbulas crescerem.

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