Twitter, “bullying”, características dentofaciais e o tratamento ortodôntico
Twitter, “bullying”, características dentofaciais e o tratamento ortodôntico
Esse post não é sobre um artigo ortodôntico “comum”. Eu encontrei esse estudo interessante relacionando mídia social, “bullying” e ortodontia e eu achei que isso seria relevante para os nossos pacientes.
Nós sabemos que alguns dos nossos pacientes sofrem “bullying” e que isso tem um efeito real sobre eles. Isso também é importante pelo fato do “bullying” ser muito comum, atingindo entre 5 e 55% das crianças. Importante ressaltar que os danos psicológicos oriundos do “bullying” podem persistir na idade adulta.
Um grupo baseado na Nova Zelândia fez esse estudo.
Accounts of bullying on Twitter in relation to dentofacial features and orthodontic treatment
C Austin et al
Journal of Oral Rehabilitation. DOI: 10.1111/joor.12487
Os autores fizeram uma introdução agradável e um histórico muito bom para o estudo. Eu acho que esses foram os pontos altos da introdução:
- O “bullying” relacionado à saúde oral é particularmente prejudicial;
- O “bullying” tradicional tem acontecido em interações “cara-a-cara” que ocorrem, normalmente, na escola. Porém, a mídia social fornece um local a mais para esse tipo de comportamento.
Consequentemente, esse estudo é muito relevante para os nossos pacientes.
O objetivo dos autores foi estudar, quantitativamente, os aspectos psicossociais do “bullying” relacionado aos dentes, via Twitter.
O que eles fizeram?
Eles fizeram esse estudo em vários estágios:
- Primeiro eles fizeram uma busca na base de dados do Twitter de 2010 até 2014 utilizando termos de busca relevantes;
- Eles também monitoraram o Twitter prospectivamente por um período de duas semanas;
- Em seguida um investigador acessou os posts do Twitter relacionados ao “bullying” e conduziram uma análise temática para identificar os temas atuais dos tweets. Isso foi verificado por um outro investigador.
O que eles acharam?
Eles encontraram 321 tweets e identificaram quatro temas principais, que foram:
- Características morfológicas dos dentes;
- Impacto psicológico/psicossocial;
- Mecanismos de reação que foram adotados;
- Papel da família
Olhando para os dados criteriosamente, eles viram que as vítimas sofriam “bullying” por meio de adjetivos como “feio” e “horrível”. Quando as características dentofaciais foram o alvo, as palavras usadas foram “monstro”, “vampiro” ou “gappy”1.
Como é comum na maioria dos estudos qualitativos, foram incluídas algumas transcrições de tweets. Eu incluí alguns dos mais relevantes:
“@(nome de usuário) fez “bullying” comigo ontem e me chamou de gordo e feio e disse que eu tenho os dentes bagunçados! Eu fiquei inseguro e não vou fazer mais “selfies”.”
“Os espaços entre os dentes da frente não são engraçados, pois durante toda a minha infância eu sofri “bullying” por causa disso ao ponto de eu ter parado de sorrir e falar.”
Alguns tweets foram sobre questões ligadas à vitimização:
“Sim, eu sei. Antes de eu usar aparelho implicavam comigo por causa dos meus dentes. Hoje em dia eu ainda me sinto inseguro mesmo sem o aparelho “.
Várias citações indicaram reação:
“para o “bullying” que estão fazendo comigo por eu ter os dentes tortos eu não me importo, eu estou feliz e isso é tudo o que importa, continuar sorrindo”.
Na discussão, eles ressaltaram que o Twitter tem potencial como uma ferramenta de vigilância pública. Além disso, essa amostra pode não representar a população. Eles também foram incapazes de coletar informações das pessoas jovens que fizeram tweets.
Apesar disso, eles encotraram temas consistentes e relevantes, que foi um dos pontos fortes do estudo. No geral, eles concluíram que usar a mídia social pode fornecer informações novas e valiosas sobre a causa e os efeitos sociais do “bullying”. Além disso, os mecanismos de reação específicas podem ajudar, por exemplo, na divulgação das experiências sobre o “bullying” via mídia social.
O que eu penso?
Eu não sou um expert em pesquisa qualitativa, mas eu acho que o estudo foi interessante e novo. Eu achei que foi uma grande mudança comparado aos usuais estudos ortodônticos. Claramente existe um papel maior para a pesquisa qualitativa em ortodontia. Eu fiquei um pouco preocupado com relação ao tamanho da amostra, se ele foi suficiente para conseguir achados mais robustos. Eu também não sei se a amostra é representativa.
De qualquer forma, isso ilustra o uso da mídia social tanto para o “bullying” quanto para os mecanismos de reação que os jovens usam. Por exemplo, jovens que estão desconfortáveis em discutir os problemas cara-a-cara, podem dividí-los na mídia social como um mecanismo de reação.
Eu estava pensando se esse estudo possui relevância clínica. Eu acho que ele tem. Isso porque ele ilustra como o padrão e o método do “bullying” mudaram. Eu também fico pensando se isso representaria um “bullying” sem escapatória, pois a exposição às mídias sociais é de 24 horas por dia, ao invés de somente durante o tempo na escola.
Eu acho que nós devemos considerar esses achados quando discutirmos os tratamentos com nossos pacientes.
1termo pejorativo utilizado para descrever qualquer pessoa que possua os dentes da frente muito separados. Fonte: Urban Dictionaire (N. do T.).
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido
Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.