Tratamento ortodôntico baseado em evidência – nenhuma boa ação fica sem punição. Parte 2: Deixe-os comerem bolo
Tratamento ortodôntico baseado em evidência – nenhuma boa ação fica sem punição. Parte 2: Deixe-os comerem bolo
Essa é a segunda parte da nossa aula conjunta dada na recente Conferência Britânica de Ortodontia. Essa parte foi sobre o valor das alternativas ao ensaio clínico randomizado em ortodontia. Este é o primeiro post convidado do meu blog.
Na Sociedade de Boston, é dito que os Lowells1 falam somente com os Cabots2 e os Cabots falam somente com Deus. No meu ponto de vista, esse é o espírito elitista compartilhado pelo pessoal do Ensaio Clínico Randomizado (ECR), o qual parece falar somente para e sobre eles mesmos e seus ECRs. Se as massas querem evidência, que esperem por um ECR! (Qu’ils mangent de la brioche3). Como alguém que tem labutado por mais de 50 anos nos vinhedos da pesquisa ortodôntica, eu me sinto de certa forma insultado ao descobrir que a minha pesquisa geralmente é colocada na parte mais inferior da pirâmide da verdade para ser considerada ou sequer discutida.
Não me interpretem mal por esse lamento – Eu concordo que as revisões sistemáticas são o topo; Entretanto, da forma como eu vejo, existe um problema na aplicação ortodôntica do ECR. As opções de tratamento ortodôntico não são somente pílulas de cores diferentes. Para se randomizar tratamentos, eles não tem que ser somente verdadeiramente equilibrados, mas, também, e talvez o mais problemático, os investigadores devem procurar explicitar a preferência de cada participante bem informado. O cenário adiante parece realístico?
“Senhora Jones, nós pensamos que você pode ser bem tratada tanto com tratamento ortodôntico como com cirurgia. Nós estamos verdadeiramente em dúvida e nós gostaríamos que você participasse de um estudo desenhado para comparar as duas opções. Nós jogamos uma moeda e ela mostrou cirurgia. Assine aqui”.
As opções de tratamento ortodôntico para as quais um sujeito deve ser razoavelmente indiferente são limitadas e devem ser de menor interesse para o tópico da prática ortodôntica baseada em evidência. Esse problema acaba por depositar muitas das nossas maiores questões na lixeira das perguntas sem respostas. A atitude do “ou ECR ou nada” tem o indesejável (ou ignorado) efeito colateral de conceder licença para qualquer tratamento, não importa o quão lunático ele seja, até que um “o ECR nunca será realizado” seja confirmado. O leão covarde se tornou bravo quando lhe deram uma medalha; aparentemente, o pesquisador em ortodontia se torna verdadeiramente “da área da medicina” quando ele ou ela conduz um ECR. Ai de mim, o conhecedor deve ser bom em discernir a poeira no olho de um pesquisador menos importante, mas bem preparado para ignorar a que está no próprio olho (Mateus 7:3). Efeito Hawthorne? Dados rápidos? Falta de cegamento? Dados sem longo prazo? Ai de mim, é provável que ambas as questões e os pesquisadores estejam mortos quando a hora chegar para ver a surpreendente pequena porcentagem de sujeitos que estarão dispostos a voltar para os registros (em minha experiência com rechamadas, a taxa de cooperação é em torno de 1 em 10). A coisa importante parece ser o secreto aperto de mãos.
Minha mensagem é que existem estratégias mais simples e mais pontuais, muitas das quais podem ser muito boas em minimizar os vários vieses que proliferam sem controle hoje em dia no mercado ortodôntico.
No Sul dos Estados Unidos, existe um ditado antigo que diz: “Nunca tente ensinar um porco a cantar; você vai perder o seu tempo e irritar o porco”. Minha visita à Conferência Britânica em Brighton me deixou com a impressão de que os “membros ordinários de uma organização”4 não devem ser irritados, mas que, claramente, eles têm um interesse limitado em descobrir se os tratamentos vendáveis terão o selo de aprovação do ECR quando forem populares. Enquanto tudo funcionar e ninguém morrer, a prova está fora de questão.
1- nascidos em Lowell, uma cidade planejada no nordeste de Massachussets, nos Estados Unidos, caracterizada pela indústria têxtil. Fonte: Dicionário Oxford (N. do T.)
2- proeminente família aristocrática americana, também conhecida como uma das primeiras famílias de Boston. Fonte: Enciclopédia Britânica (N. do T.)
3- “Deixe-os comerem brioche”. Fala atribuída à Maria Antonieta, rainha da França durante a Revolução Francesa, pelo filósofo francês Jean-Jacques Russeau no livro VI das Confissões de Russeau (1767). Fonte: Enciclopédia Britânica (N. do T.)
4- tradução de “rank and file”. Fonte: Cambridge English Dictionary (N. do T.)
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido
Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.