Devemos praticar uma Ortodontia baseada em evidências?
Ao longo dos últimos anos o meu blog se tornou popular porque eu publico posts sobre evidências na área da Ortodontia. Porém, precisamos refletir se realmente podemos praticar uma Ortodontia baseada em evidências?
Recentemente, tenho participado de muitas discussões sobre a adoção de técnicas ortodônticas sem evidências. De fato, todos estamos cientes dos inventores, dos que as adotam precocemente, dos vendedores de óleo de cobra e outros divulgadores que fazem afirmações sobre os tratamentos. Isto me levou a considerar se podemos praticar uma Ortodontia baseada em evidências. Assim, eu decidi revisitar um post que fiz há vários anos e ver se as minhas opiniões mudaram.
Devemos praticar uma Ortodontia baseada em evidências?
Este é um ponto básico e um bom lugar para começar. Porém, algumas pessoas têm me mostrado que a Ortodontia é única por ela ser um tipo de arte. Além disso, qualquer dano que causemos são, normalmente, menores como, por exemplo, descalcificação e reabsorção radicular. Portanto, não seria necessário fazermos o tratamento baseado em evidências.
Eu discordo, pois precisamos garantir que o nosso tratamento seja baseado em evidências, quando ela está disponível. Nós também precisamos informar os nossos pacientes de todos os potenciais riscos e benefícios do tratamento. Com esta finalidade devemos ter muito cuidado ao fazer afirmações que não são baseadas em boa evidência de pesquisa. Eu posso pensar nos seguintes exemplos, os benefícios propostos pelo tratamento sem extrações, métodos de acelerar o tratamento e tratamento ortodôntico realizado para reduzir os distúrbios respiratórios do sono em crianças. Também é importante considerarmos que cobrar dos pacientes por tais tratamentos causa danos às carteiras deles.
De onde obtemos a evidência?
É fácil afirmar que a melhor fonte é a literatura científica e podemos encontrar publicados um crescente número de estudos clínicos e revisões sistemáticas. Apesar disso, a qualidade dos artigos publicados varia, mesmo na literatura referenciada. Assim, torna-se essencial que gastemos tempo lendo artigos e aplicando o nosso conhecimento das pesquisas aos achados. Alternativamente, podemos obter informação de revistas, internet e até deste blog. Todos fornecem informação de qualidade variada e, talvez, leve à confusão.
Analisando alguns estudos clínicos recentes, fica claro que os estudos estão sendo conduzidos em várias áreas importantes como, por exemplo, auto-ligáveis, métodos de se acelerar o tratamento e dispositivos de ancoragem temporária. Mesmo que isto seja um ótimo progresso, existe uma tendência dos pesquisadores se concentrarem nas mecânicas de tratamento. Fiz isso em diversos estudos clínicos que conduzi. Ainda precisamos pesquisar sobre algumas perguntas fundamentais como, por exemplo, identificar os benefícios do tratamento ortodôntico, os efeitos do tratamento ortodôntico nas vias aéreas e se podemos interceptar o desenvolvimento da má-oclusão. Assim, existem espaços vazios a serem preenchidos no nosso conhecimento. Como preenchemos tais espaços?
Evidência não é tudo!
Quando eu olho para trás e analiso o desenvolvimento da Ortodontia baseada em evidência, acho que um dos problemas foi que os ortodontistas “descobriram” os estudos clínicos um tanto quanto tarde. Muitos de nós passamos, com satisfação, a encorajar a Ortodontia a “correr atrás”. Assim, eu coloquei muita ênfase na minha escrita e nas minhas apresentações na promoção do valor dos estudos clínicos controlados. Olhando para trás, acho que falhei em considerar que o cuidado baseado em evidências é baseado numa combinação de evidências de pesquisas, opinião dos pacientes, conhecimento clínico e expertise.
Mesmo que este conceito esteja claro para mim agora, acho que eu devia ressaltar que isto não significa que estes três componentes sejam iguais. A proporção de cada componente que influencia a decisão clínica final é influenciada proporcionalmente pelas suas forças. Por exemplo, não existe dúvida de que se uma boa evidência científica estiver disponível ela deveria se sobrepor à experiência clínica. Na verdade, nós não estaremos agindo eticamente se não explicarmos a presença ou ausência de achados de pesquisas para os nossos pacientes, de modo que eles possam fazer escolhas informadas sobre os seus tratamentos.
Precisamos de informação para o consentimento do paciente
Como exemplo, vamos considerar o uso dos dispositivos de ancoragem temporária (DATs). Nós agora temos a evidência para dizer aos nossos pacientes:
“- Eu gostaria de utilizar um DAT, pois ele é efetivo em manter a ancoragem, é mais fácil de você utilizar do que um aparelho extra-oral e possui menos riscos.”
De outra forma, se estivermos propondo que faremos o tratamento para tratar o distúrbio respiratório do sono em crianças, deveríamos dizer:
“- Eu gostaria de propor um tratamento que está baseado em pesquisas bem limitadas, mas a minha experiência clínica sugere que isso vai te ajudar”.
É importante ressaltar que se optarmos pela segunda abordagem, precisaremos justificar porque a nossa experiência clínica é tão importante na ausência de pesquisas. Também é fundamental informar aos nossos pacientes sobre os estudos que não mostraram nenhum benefício para o tratamento que propomos. Bons exemplos disto são os estudos sobre os auto-ligáveis e os métodos de acelerar o tratamento.
Onde obtemos a experiência clínica e o conhecimento?
Agora completamos o círculo. Se isso vai passar a ser uma parte fundamental do processo de tomada de decisão, precisamos identificar como obtemos esta informação. Num nível mais simples, isto seria tratar os nossos próprios pacientes e discussões com colegas. Mas, precisamos deixar claro que não apenas nos lembremos dos casos nos quais o tratamento “funcionou”. Nossas falhas são de igual importância. Também precisamos considerar a nossa experiência clínica pessoal e considerar se ela é o suficiente para ser a base das decisões de tratamento.
Outras fontes são a participação em conferências, o uso da mídia social e ouvir defensores de tratamentos e intervenções específicas. Mais uma vez, precisamos ter cautela, pois esta informação tende a ter um viés por conta dos casos tratados com sucesso. Isso porque a maioria dos apresentadores mostra seus casos de sucesso (muitas vezes). A outra fonte é o vendedor e esta não é a melhor forma de se obter informação para o tratamento baseado em evidência. Apesar disto, eles realmente influenciam na prescrição!
Resumo
Espero que eu tenha conseguido listar os problemas que enfrentamos. Meu sentimento geral é que devemos basear os nossos tratamentos em evidências. Quando ela estiver ausente, precisamos aceitar que o nosso tratamento é baseado, na maior parte, na experiência clínica. Precisamos explicar isso para os nossos pacientes. Quando fizermos isso, estaremos praticando uma Ortodontia baseada em evidência.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.