O aparelho Carriere Motion 3D Classe II influencia nas vias aéreas?
Um dos meus posts recentes foi sobre o Aparelho Carriere Motion II. Ressaltei que não existia pesquisa sobre tal novo método de tratamento. Até me deparar com este artigo. Essa é a minha opinião acadêmica sobre ele.
Encontrei este artigo na conta do Facebook do Luis Carriere, onde postou sobre um novo estudo.Esse é o link.
Como ele é o principal líder formador de opinião da HSO e do Carriere Motion “tudo se movendo, o dia todo, todos os dias”!, achei que devia dar uma olhada no artigo, pois ele o achou “muito interessante”.
Um grupo do Cairo, no Egito, fez a pesquisa e o Journal of Dental Science, Oral and Maxillofacial Research o publicou.
KH Atta et al., J Dent Maxillofacial Res. (2019);2(1):16-19. DOI: 10.30881/jdsomr.00023
Essa é uma revista de acesso aberto. Assim, você pode acessar facilmente o artigo. Também vale a pena ressaltar que ela é classificada como “revista e editora predatórias”.Estas revistas são definidas pela Wikipédia como:
“um modelo de negócios de acesso aberto que explora os autores ao cobrar valores para publicação sem oferecer os serviços editoriais e de publicação existentes nas revistas legítimas (de acesso aberto ou não). A ideia de que são “predatórios” é baseada na visão de que os acadêmicos são enganados a publicar em tais revistas, apesar de alguns estejarem cientes que a revista é de qualidade baixa ou até fraudulenta”.
O que perguntaram?
Eles perguntaram:
“O tratamento com o aparelho Carriere Motion II, para o tratamento da Classe II influencia no espaço das vias aéreas?”
É interessante que esta nova pesquisa é direcionada à nova especialidade “Ortodontia amiga das vias aéreas”.
O que fizeram?
Eles fizeram um estudo retrospectivo e recrutaram os pacientes que receberam tratamento ambulatorial na Faculdade de Odontologia deles.
A PICO foi:
Participantes: Pacientes com idades entre 14 e 30 anos, com má-oclusão de Classe II e arcos bem alinhados.
Intervenção: Aparelho Carriere 3D Classe II
Controle: Nenhum
Resultado: Volume total das vias aéreas e volume mínimo transverso das vias aéreas medidos em imagens de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC).
As imagens da TCFC foram obtidas antes do tratamento e ao final do uso do aparelho Carriere Motion 3D.
O que encontraram?
Eles encontraram que ocorreu um aumento em ambos os volumes e áreas transversais das vias aéreas após o tratamento. Eles apresentaram os dados de forma simples e explicaram o que o valor de P significava nas tabelas. Analisei as tabelas e eles relataram que o total do volume das vias aéreas aumentou de 11,3ml para 15,2ml e citaram uma diferença de 4,9ml. Usei a calculadora do meu iPhone para descobrir que essa diferença foi, na verdade, de 3,9ml! Aqui está o dado relevante, corrigido pelo cálculo errado para a diferença na média do volume. Portanto, os intervalos de confiança não devem ser totalmente acurados.
Outcome | Pre-treatment | Post-treatment | Difference | 95% CI of difference |
Volume (ml) | 11.3 | 15.2 | 3.9 | 4.2-5.5 |
Cross-sectional area (mm2) | 171.68 | 212.78 | 41.0 | 329.7-52.2 |
Eles sugeriram que isso foi um aumento de 34% no volume das vias aéreas e 23% de aumento na área transversa.
A conclusão geral deles foi:
“O aparelho Carriere Motion II produziu um efeito de protração no arco mandibular que posicionou a língua anteriormente, aumentando o tamanho da via aérea”.
O que pensei?
Para ser honesto, não sei bem por onde começar. Normalmente eu não revisaria um artigo como esse. Porém, existe a possibilidade de isso ser usado como anúncio e ser promovido por líderes formadores de opinião. De fato, isso já aconteceu com o post do Carriere no Facebook. Assim, acho que isso deva estar sujeito a um escrutínio razoável.
Em primeiro lugar, isso foi publicado numa revista predatória. Assim, não podemos enfatizar muito os achados. Também notei que o artigo foi submetido em janeiro de 2019 e publicado em fevereiro de 2019. Esse tempo é insuficiente para a revisão por pares e edição.
Além disso, o estudo possui várias falhas. Resumidamente, são:
- É retrospectivo e sujeito a viés de seleção.
- O método de medida não foi claro e sujeito a erros.
- As medições das imagens da TCFC não foram cegadas. Também foi muito subjetivo que o operador tenha traçado o esboço do volume de interesse com um mouse. Isso pode ocasionar um alto nível de viés nas medidas.
- Não houve análise de erro e acho que isso seria essencial.
- A subtração das médias foi incorreta.
- Não houve um grupo controle sem tratamento ou um grupo de comparação. Assim, as mudanças podem ter sido devido ao crescimento normal.
- A variação da idade foi grande e não houve um cálculo de tamanho da amostra.
- Os intervalos de confiança foram amplos, representando um alto grau de incerteza.
Meus pensamentos finais
Assim, na minha opinião, essa não é uma boa pesquisa e ela não soma ao conhecimento sobre essa nova forma de tratamento.
Se acho que essa evidência pode ser utilizada em anúncios e apresentações de líderes formadores de opinião? Concordo com o Dr. Carriere que esses dados são “interessantes”. Eles nos dizem algo sobre o aparelho Carriere e a “ortodontia amiga das vias aéreas”? Minha opinião é que não.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Adjunto de Ortodontia e Saúde Bucal Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.