Uma revisão sistemática que nos fornece informações úteis sobre o tratamento precoce da maloclusão de Classe III com máscara facial
Uma revisão sistemática que nos fornece informações úteis sobre o tratamento precoce da maloclusão de Classe III com máscara facial
O tratamento interceptativo do desenvolvimento da maloclusão é uma das áreas mais interessantes da ortodontia clínica. Esse post é a minha interpretação de uma revisão sistemática que olhou para a efetividade do tratamento precoce da maloclusão de Classe III com máscara facial. Eu acho que esse estudo nos fornece informações úteis que podem ajudar nossos pacientes.
Há poucos meses eu chamei a atenção para uma pesquisa muito boa sobre os efeitos do tratamento da maloclusão de Classe III com protração extra-oral. Esse estudo mostrou que o tratamento precoce reduziu a necessidade de cirurgia ortognática. Eu achei que foi um achado útil e que me estimulava a realizar o tratamento precoce. Porém, nós não devemos basear nossas filosofias de tratamento em um estudo apenas e é aí que essa revisão sistemática se torna bem oportuna.
Early orthodontic treatment for Class III malocclusion: A systematic review and meta-analysis
See Choong Woon and Badri Thiruvenkatachari
Am J Orthod Dentofacial Orthop 2017;151:28-52
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajodo.2016.07.017
Pesquisadores de Manchester, Norte da Inglaterra, escreveram esse artigo.
Na introdução eles ressaltaram que um grupo de liverpool publicou uma revisão Cochrane em 2013 sobre o tratamento precoce da Classe III. Eles não acharam muitos estudos e concluíram que mais pesquisa era necessária. Esse novo artigo é uma atualização dessa revisão original.
O objetivo deles foi:
“Avaliar a efetividade de métodos ortodônticos utilizados no tratamento da maloclusão de Classe III”.
O que eles fizeram?
Esse estudo não foi uma revisão Cochrane, mas eles seguiram a rigorosa metodologia Cochrane. A PICO foi:
Participantes: Crianças entre 7 e 12 anos de idade com maloclusão de Classe III;
Intervenção: Tratamento ortodôntico com aparelhos fixos ou removíveis;
Comparação: Ausência de tratamento / Tratamento postergado;
Resultado: Correção do overjet negativo.
Eu fiquei muito satisfeito em ver que eles não caíram num mar de dados cefalométricos, pois eu acho que isso não seria necessário.
Eles restringiram a busca a estudos randomizados controlados e estudos clínicos controlados prospectivos e conduziram uma pesquisa eletrônica para identificar novos artigos que poderiam fazer parte da revisão.
Eles avaliaram o risco de vieses com a ferramenta Cochrane para risco de vieses para os RCTs e utilizaram a lista de verificação de Downs e Black para os CCTs.
O que eles encontraram?
Após identificarem um grande número de publicações potenciais, eles finalmente selecionaram uma amostra de 15 artigos após a aplicação de um conjunto de filtros de busca normalmente utilizados. Eles dividiram os 15 artigos em 9 RCTs e 6 CCTs. Quando olharam para o risco de vieses, eles encontraram que 3 RCTs apresentavam um baixo risco de vieses e os demais estudos apresentavam um risco de viés obscuro. Todos os CCTs apresentaram um alto risco de vieses.
Nesse momento, eu acho que nós devemos considerar que essa revisão, provavelmente, produzirá apenas um moderado nível de evidência.
A apresentação dos dados foi bastante complexa e, em vista do alto risco de viéses nos CCT’s, eu decidi me concentrar apenas nos resultados dos estudos controlados randomizados que avaliaram o tratamento comparando com um grupo controle.
O achado mais importante foi que o uso da protração maxilar comparado com a ausência de tratamento mostrou uma diferença no ANB de 3,9° (95% IC 3,5-4,2). Importante ressaltar que somente um estudo mediu as mudanças de overjet e mostrou que o uso da máscara de protração maxilar resultou numa diferença de 2,5 mm (95% IC 1,2-3,79) quando comparado à ausência de tratamento.
Existiu um grande grau de heterogeneidade entre os estudos. Isso foi decorrente do grau de variação nos protocolos experimentais e isso adiciona incerteza aos resultados.
O que eu penso?
Eu achei que essa foi uma boa revisão que resultou em alguns achados clínicos úteis. Porém, eu achei a interpretação dos dados difícil o que acabou me levando a olhar apenas para os principais achados clínicos que não foram sujeitos aos vieses. Além disso, eu estava mais interessado nos efeitos do tratamento comparados aos efeitos ocorridos na ausência de tratamento. Assim, eu realmente não considerei os estudos que compararam duas ou mais intervenções. Alguns podem pensar que eu acabei excluindo um monte de dados úteis com esse passo, mas eu sempre acho que uma abordagem mais simples na interpretação de um artigo tende a fornecer informações mais úteis.
O que podemos concluir?
Olhando apenas para os dados dos três estudos randomizados que compararam o tratamento com a máscara facial com a ausência de tratamento, eu concluí que:
“O tratamento precoce com a máscara facial de protração, provavelmente, resulta em mudanças esqueléticas e dentárias clinicamente úteis no curto-prazo”.
Entretanto, nós devemos interpretar esses dados com uma certa cautela. Por exemplo, nós não sabemos realmente se essas mudanças serão mantidas com o crescimento facial adicional. Nós também precisamos nos lembrar que, por conta das questões envolvendo os vieses e a heterogeneidade, ainda existe um grau de incerteza nos resultados dessa revisão.
Mesmo assim, eu acho que a revisão nos fornece informações que podemos utilizar para explicar o tratamento precoce da Classe III para os nossos pacientes e para os pais deles. Eu acho que eu poderia dizer o seguinte:
“Você tem um problema que pode ser tratado precocemente com a máscara facial. Existe uma boa chance de se corrigir a forma como os seus dentes da frente se encontram com esse aparelho. Porém, nós não sabemos se as mudanças que nós conseguiremos agora permanecerão quando você tiver 14 ou 15 anos de idade”.
Certamente, nós não podemos alegar que o uso da máscara facial melhorará a respiração, a auto-estima e corrigirá o crescimento facial pela modificação do meio-ambiente etc!
Os pacientes poderão tomar a decisão baseados nessa informação. Em vários aspectos, isso é parecido com a situação do tratamento da Classe II. Em ambas as áreas, nós agora temos alguns achados úteis oriundos de pesquisas.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido
Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.
Muito bom senso.
Gostei!