Já não existem revisões sistemáticas demais?
Já não existem revisões sistemáticas demais?
Nos últimos 10 anos foram feitas muitas revisões sistemáticas em Ortodontia. Eu estou pensando se já não existem muitas…só um pensamento…
Eu vou começar essa discussão com minhas próprias experiências. No começo dos anos 90, Manchester era um lugar interessante de se estar. A cidade tinha se tornado um viveiro de música nova com as recentes produções do The Smiths e do Stone Roses. O Manchester United tinha se recuperado de 30 anos de sono e tinha começado a jogar um bom futebol. No nosso pequeno mundo da pesquisa ortodôntica, nós só estávamos começando a planejar estudos randomizados e quase todos os nossos pacientes estavam sendo inscritos em estudos. As coisas estavam se tornando mais excitantes quando descobrimos um novo ótimo método de pesquisa chamado “revisão sistemática”. Nós agora iríamos descobrir a verdade sobre tudo e mudar a ortodontia para sempre.
Infelizmente, quando começamos a revisar sistematicamente, concluímos muitas vezes “mais pesquisas são necessárias”. Então voltamos para os estudos clínicos. Ao mesmo tempo o Stone Roses e o The Smiths implodiram, mas o Manchester United começava a dominar o futebol…
Desde então foram feitas muitas outras pesquisas que foram incorporadas às revisões sistemáticas. Isso levou a um aumento da nossa base de evidências. Mas será que nós estaríamos alcançando uma saturação com as revisões sistemáticas? Por exemplo, quando eu fiz uma simples busca no PubMed, encontrei que foram publicadas 110 revisões sistemáticas nos últimos 10 anos.
Eu fiquei pensando sobre isso por algum tempo quando me deparei com um artigo do John Ionnidis. Ele é um especialista em metodologia que continua a desafiar os métodos de pesquisa e sua filosofia. Nesse artigo ele perguntou se as revisões sistemáticas não estavam sendo produzidas em excesso. Certamente eu não sou tão sabido como o John e vou simplesmente considerar se alguns dos pontos dele são relevantes para as revisões sistemáticas em Ortodontia. Eu também vou adicionar alguns pontos de vista próprios.
A conclusão geral do artigo dele foi:
“A produção de revisões sistemáticas atingiu proporções epidêmicas. Possivelmente, a maioria das revisões sistemáticas são desnecessárias, levam a uma idéia errada e/ou são conflitantes.
Isso é algo muito forte. E sobre a Ortodontia? Essa é somente a minha interpretação do problema.
Muitas revisões sobre a mesma pergunta clínica.
Eu fiz outra pesquisa no PubMed sobre o tratamento da Classe II. Eu encontrei 30 revisões sistemáticas. Isso é quase uma revisão para cada medida cefalométrica. As revisões foram sobre mudanças esqueléticas, trauma, reabsorção radicular, DTM, mudanças mandibulares, movimento maxilar e, ainda, revisões sistemáticas de revisões sistemáticas! Eu não li todas, mas eu me pergunto se não estaríamos fazendo mais revisões do que o necessário.
Uma das consequências dessas múltiplas revisões de um único problema ortodôntico é que isso implica em mais confusão e aumenta a incerteza. De alguma forma isso alimenta a controvérsia clínica e daí em diante. Mesmo que ainda deva ser uma boa prática repetir algumas revisões, eu não estou convencido disso.
Revisões falhas
Isso acontece usualmente quando autores não encontram nenhum estudo clínico e então decidem incluir estudos não-randomizados ou estudos retrospectivos. Todos nós sabemos que um dos maiores benefícios de se conduzir uma revisão sistemática é fornecer o maior nível de evidência. Sendo assim, as revisões sistemáticas deveriam somente incluir estudos randomizados. Se nós incluirmos estudos retrospectivos isso leva à introdução de vieses nas revisões sistemáticas. Isso reduz o nível de evidência e a revisão é de valor limitado. Em muitos aspectos a decisão final sobre a inclusão desse tipo de revisão em uma revista é dos editores e eu espero que eles estejam cientes desse problema.
Sobre o “não existe evidência e nós precisamos de mais pesquisas”
Como eu já mencionei antes, quando as revisões sistemáticas foram desenvolvidas, não era incomum que os revisores concluíssem que “mais pesquisas são necessárias”. Essa conclusão nem sempre era inútil, pois os revisores podiam usar isso para gerar perguntas para pesquisas.
Porém, muitos anos depois, eu não acho nós precisamos continuar com isso. Enquanto as revisões sistemáticas são uma parte essencial da geração de perguntas, nós precisamos perguntar se todas as revisões deveriam ser publicadas, principalmente aquelas que não acrescentam conhecimento.
A seleção dos resultados
Isso não é um problema somente do tratamento ortodôntico. Porém, nós somos uma especialidade que pode medir tudo o que é possível. Isso vai desde medidas obscuras das nossas análises cefalométricas até os resultados mais valiosos, como a auto-estima.
A mensuração desnecessária e a falta de padronização dos resultados acaba por gerar maiores problemas quando conduzimos revisões sistemáticas. Isso resulta no “nós não fomos capazes de conduzir uma meta-análise por conta da variação dos resultados”. Será que esse problema não poderia ser resolvido pela seleção de resultados comuns e pelo abandono da cefalometria?
Pressão para publicar
Esse é um problema importante para os acadêmicos da Ortodontia. Todos nós estamos sob pressão para publicar como parte da nossa progressão acadêmica. Não existe nenhuma dúvida de que uma boa revisão sistemática é uma valiosa adição ao currículo de uma pessoa. Além disso, enquanto uma boa revisão é difícil de ser conduzida, ela não é tão difícil como um estudo clínico. Sendo assim, eu me pergunto se a expansão das revisões ocorreu devido à necessidade de publicação dos acadêmicos. Eu compreendo perfeitamente essa pressão. Apesar disso, a produção além do necessário das revisões sistemáticas não é uma solução para esse problema.
Pensamentos finais e soluções?
Ao final das minhas reflexões eu preciso reconhecer que eu sou autor de três revisões sistemáticas, mas eu espero que elas sejam de alto padrão. Essa é a solução. Eu não acho que nós precisamos ser mais críticos a respeito das muitas revisões que estão sendo feitas. Como investigadores, nós precisamos perguntar se outra revisão vai acrescentar ao conhecimento. Os editores precisam acessar a qualidade das revisões com mais rigor. Finalmente, os leitores e os clínicos deveriam perguntar se uma nova revisão sobre um aparelho utilizando uma medida obscura ou pergunta, irá acrescentar ao se conhecimento clínico. Eu acho que precisamos seguir em frente…
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.