O chiclete reduz a dor ortodôntica?
Uma das maiores queixas que temos dos nossos pacientes é a dor. Será que isso poderia ser resolvido com um simples chiclete?
A maioria dos nossos pacientes relata que sente dor quando os aparelhos são colocados e/ou ajustados. A forma mais comum de alívio da dor é o uso de remédios. Tais remédios têm se mostrado eficazes. Apesar disso, devemos explorar métodos diferentes de redução da dor que não envolvam o consumo de remédios. Um deles é o chiclete. Vários estudos têm sugerido que ele é eficaz e já postei sobre isso antes.
Um grupo de Estocolmo, na Suécia, fez esse estudo clínico. O European Journal of Orthodontics o publicou.
Pain relief after orthodontic archwire installation—a comparison between intervention
with paracetamol and chewing gum: a randomised controlled trial
Abdulrahman K. Alshammari and Jan Huggare
EJO. DOI:10.1093/ejo/cjy081
Eles fizeram uma excelente revisão da literatura, que ressaltou a teoria e os diferentes métodos de gerenciamento da dor.
O que eles perguntaram?
Eles queriam descobrir se:
“O paracetamol ou o chiclete eram eficazes no controle da dor ortodôntica”
“O aumento do uso do chiclete aumenta o número de quebras do aparelho”
O que eles fizeram?
A PICO para o estudo foi:
Participantes:Pacientes ortodônticos, entre 12 e 18 anos de idade, sendo tratados com aparelhos fixos.
Intervenção:Chiclete. Mascado uma hora antes da obtenção dos registros de dor.
Controle:Paracetamol 1000mg ou 500mg. Tomados uma hora antes do registro da dor.
Resultado:Avaliação da dor com uma Escala Visual Analógica. O resultado secundário foi o número de quebras no aparelho.
Eles fizeram um claro cálculo de tamanho da amostra, que foi baseado em pesquisas prévias. O cálculo mostrou que precisariam de 29 participantes em cada grupo. Não encontrei detalhes do método de geração e randomização. Porém, eles afirmaram que alocaram os pacientes a partir do sorteio de cartas de uma cesta. Assim, a randomização foi ocultada pelo operador. Não foi possível cegar o paciente e o operador para a alocação do tratamento. Mas eles analisaram os dados de forma cega.
Os pacientes registraram os níveis de dor quando mordiam e em repouso. Eles fizeram isso nos seguintes momentos:
T1 6 horas após a colocação do aparelho
T2 Na hora de dormir do mesmo dia
T3 Na manhã do dia seguinte
Eles pediram aos participantes para não tomar nenhum analgésico adicional. Se o fizessem, que anotassem a hora e a dose.
A análise estatística foi relevante e precisa.
O que encontraram?
Primeiramente, não existiu diferença entre os grupos no início do estudo. Quando analisaram os dados, encontraram que não existiram diferenças na percepção da dor entre os grupos paracetamol e chiclete.
Além disso, não encontraram quebras no grupo chiclete. Porém, ocorreram duas no grupo paracetamol!
Eles concluíram:
“O efeito do chiclete e do paracetamol é equivalente”.
O que pensei?
Achei que foi um estudo clínico muito bom, bem conduzido e bem relatado. Pude interpretar os resultados com facilidade porque eles foram bem descritos. Eles usaram uma metodologia segura. Minhas únicas críticas foram que o método de geração da sequência de randomização não foi claro e que eles não relataram se os pacientes tinham realmente consentido e começado o estudo antes da randomização. Tais informações são importantes quando consideramos fatores que podem levar a vieses. Porém, não sei bem como isso poderia ter influenciado nas conclusões.
Os autores ressaltaram que uma das limitações do estudo foi o curto período de coleta dos dados. Apesar disso, outros estudos relataram que os pacientes relataram a dor mais severa imediatamente após a colocação dos aparelhos.
Achei interessante ver que os resultados são concordantes com os de um outro estudo clínico recente. Acredito que os achados são significantes e me pergunto se devemos encorajar nossos pacientes a não tomar nenhum remédio. De fato, os resultados desses estudos sugerem que o controle da dor adequado pode ser alcançado com o chiclete. Assim, me pergunto se devemos mudar o nosso conselho de controle da dor e, simplesmente, indicar o chiclete para os nossos pacientes. Isso seria uma mudança significativa na nossa prática, mas é difícil não fazer essas mudanças em face da evidência de, pelo menos, três bons estudos clínicos.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Substituto de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.