O tratamento ortodôntico não reduz as chances de se ter cárie.
Ainda não temos certeza de que o tratamento ortodôntico reduza as chances de se ter cáries. Esse novo estudo nos dá algumas informações interessantes sobre isso.
Uma crença de longa data sobre o tratamento ortodôntico é a de que a redução do apinhamento dentário reduz o acúmulo de placa, que pode levar às cáries. Porém, não existe evidência confiável de que exista relação entre apinhamento dentário e cáries. Assim, não se pode dizer que o tratamento ortodôntico reduz a incidência de cárie.
Um grupo de pesquisadores da Austrália estudou esse assunto num estudo ambicioso. A revista Community Dentistry Oral Epidemiology publicou o artigo.
The influence of orthodontic treatment on dental caries: An Australian cohort study
Esma J. Doğramac David S. Brennan
Community Dent Oral Epidemiol. 2019;1–7.
DOI: 10.1111/cdoe.12446
O que eles perguntaram?
Eles fizeram o estudo para responder à questão:
“Existe alguma influência do tratamento ortodôntico sobre a incidência de cáries num estudo cohort realizado em adultos com 30 anos de idade?
O que eles fizeram?
Eles fizeram uma revisão transversal de participantes que tinham sido envolvidos num estudo longitudinal.
O estudo começou entre 1988 e 1989, quando o grupo examinou 3925 crianças com 13 anos de idade, que não tinham recebido tratamento ortodôntico. Entre 2005 e 2006, eles identificaram 1859 participantes da amostra original e os convidaram para participar do estudo.
No começo do estudo, eles coletaram o Dental Aesthetic Index (DAI) da amostra de crianças.
Quando os examinaram durante o acompanhamento, coletaram os seguintes dados:
- Dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD);
- Status sócio demográfico;
- Informações sobre a frequência de escovação, realização de tratamento ortodôntico e frequência de comparecimento, obtidas de questionários.
Como o conjunto de dados foi complexo, os autores utilizaram uma estatística multivariada, que levou os efeitos dos fatores de confusão em consideração.
O que encontraram?
Eles obtiveram dados de 448 participantes, representando 24 % da amostra original. Assim, baseados na taxa de resposta, compararam a amostra rechamada com a original. Encontraram que a maior parte dos participantes do acompanhamento era composta por mulheres, cujos pais tinham ido a Universidade.
Eles apresentaram um grande número de dados. Achei que os dados mais importantes foram:
- Aproximadamente um terço dos participantes tinha recebido tratamento ortodôntico;
- 46% escovavam os dentes duas vezes ao dia;
- Não houve efeito do tratamento ortodôntico no índice de cárie;
- Variáveis sociodemográficas e de saúde dentária estavam relacionadas às cáries.
O que pensei?
Em primeiro lugar, foi um estudo ambicioso e complexo. Como em todos os estudos, existem algumas limitações. Os pesquisadores deram atenção a isso e ressaltaram:
- A taxa de resposta final foi baixa. Apesar disso, achei que eles incluíram um grande número de participantes. Infelizmente, existiram algumas diferenças entre as amostras original e a final. Precisamos levar isso em consideração se isso puder levar a vieses.
- Eles confiaram nos dados de questionários respondidos pelos próprios participantes. Isso pode não ter acurácia.
Também fiquei preocupado com o uso do DAI. Embora o DAI seja uma boa medida para se avaliar a necessidade de tratamento ortodôntico, é uma medida composta e nem sempre avalia o apinhamento. Por exemplo, uma pessoa pode ter os arcos bem alinhados com uma grande sobressaliência. Isso vai pontuar alto no DAI, mas eles não terão apinhamento.
Isso é importante porque se quisermos medir a relação entre apinhamento, tratamento ortodôntico e cáries, precisamos medir o apinhamento individual no início. Podemos então testar se o apinhamento se relacionou às cáries no acompanhamento do tratamento com ou sem o tratamento ortodôntico. Infelizmente, o DAI não tem acurácia suficiente para permitir que isso seja feito em todos os casos.
Resumo
Acho que esse estudo foi muito interessante. Porém, devemos refletir se os problemas que ressaltei influenciam nas conclusões.
Acredito que esse estudo nos traz algumas das melhores evidências que podemos ter sobre essa pergunta. O achado de que os cuidados com os dentes e os fatores sociodemográficos são mais relevantes para a incidência de cáries é lógico. Assim, isso me faz pensar que o tratamento ortodôntico não previne as cáries dentárias numa população de crianças. Porém, isso ainda está em debate.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Adjunto de Ortodontia e Saúde Bucal Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil