January 24, 2017

O tratamento ortodôntico precoce é baseado em evidências? Procurando por “agulhas num palheiro”.

O tratamento ortodôntico precoce é baseado em evidências? Procurando por “agulhas num palheiro”? Uma revisão sistemática.

Uma das áreas mais controversas na Ortodontia é sobre o momento de se iniciar o tratamento ortodôntico. Existem muitos ortodontistas que estão começando a introduzir o tratamento “precoce ou interceptativo” em seus consultórios. Mas isso está baseado em evidências? Essa revisão sistemática nos fornece boas informações sobre o tratamento ortodôntico precoce.

lhmc8Is orthodontics prior to 11 years of age evidence-based? A systematic review and meta-analysis

Sunnak, A. Johal, P.S. Fleming

Journal of Dentistry 43 (2015) 477–486

DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jdent.2015.02.003

 

Um grupo da Universidade de Queen Mary, em Londres, fez essa revisão interessante e clinicamente relevante.

O que eles perguntaram?

Na introdução os autores ressaltaram que a tendência atual de se fazer o tratamento precoce ou interceptativo é baseada em conceitos de se reduzir a necessidade de futuros tratamentos ou na tentativa de se reduzir a severidade da maloclusão em desenvolvimento. Os problemas que normalmente são interceptados são:

  • Problemas de crescimento facial;
  • Caninos impactados;
  • Desenvolvimento de apinhamento dentário;
  • Correção de overjets;

Essa filosofia também é apresentada nas diretrizes da Associação Americana de Ortodontia onde é sugerido que toda criança faça uma consulta ortodôntica entre 7 e 8 anos de idade.

Entretanto, nós precisamos levar em consideração que se a consulta identificar um problema em desenvolvimento, é essencial que qualquer tratamento para o problema seja efetivo. Atualmente, existe falta de evidência nessa área e esse grupo fez a revisão sistemática na tentativa de responder a essa questão.

O objetivo deles foi “acessar a efetividade de alguns tratamentos ortodônticos feitos em crianças menores que 11 anos de idade no curto e no longo prazo”.

O que eles fizeram?

Eles conduziram um revisão sistemática padrão com os seguintes critérios:

Desenho do estudo: RCT ou CCT;

Participantes: Crianças abaixo de 11 anos de idade;

Intervenções: Qualquer tratamento ortodôntico;

Comparação: Controles sem tratamento ou participantes tendo outro tipo de tratamento ativo;

Desfechos:

Melhora na relação entre os arcos;

Alterações nas posições dos dentes;

Alterações da discrepância esquelética;

Eles também avaliaram desfechos secundários:

Necessidade de uma segunda fase de tratamento;

Satisfação do paciente;

Duração e forma de tratamento;

Qualquer dano;

Necessidade de extrações.

Eles fizeram uma revisão sistemática de alta qualidade onde identificaram as referências mais relevantes oriundas das fontes eletrônicas. Em seguida fizeram uma avaliação de qualidade e incluíram somente as pesquisas com baixo risco de viés. Por fim, eles extraíram os resultados e avaliaram a força da evidência usando a abordagem GRADE.

O que eles encontraram?

Eles identificaram 20 estudos que foram considerados de baixo risco de vieses que abordaram o seguinte:

  • Efeitos de curto prazo da modificação do crescimento esquelético na maloclusão de Classe II e Classe III;
  • Correção da mordida aberta;
  • Correção da mordida cruzada posterior;
  • Extrações interceptativas para reduzir o apinhamento;
  • Melhora na posição dos caninos superiores ectópicos.

Eles forneceram uma grande quantidade de dados. Eu resumi isso de acordo com as condições que eles avaliaram.

Modificação do crescimento na Classe II

O tratamento precoce resultou em efeitos pequenos e não significantes no crescimento esquelético. Tais diferenças não se mantiveram ao final da segunda e última fase do tratamento. Entretanto, existiu alguma redução no trauma incisal (eu já postei sobre isso antes).

Modificação do crescimento na Classe III

Ocorreram algumas modificações esqueléticas com o uso das máscaras faciais de protração com uma diferença de 3,120 no ANB. Eu acho que isso é clinicamente significante (eu também postei sobre um estudo excelente que estudou a necessidade de cirurgia ortognática após o tratamento com máscara facial de protração).

Correção de mordida cruzada posterior unilateral

Eles encontraram um estudo que sugeriu existir uma alta taxa de correção da mordida cruzada com quad helix e placas expansoras.

Extrações interceptativas

Eles encontraram um estudo que avaliou os efeitos da extração dos caninos decíduos para aliviar o desenvolvimento do apinhamento dos incisivos inferiores. Ele mostrou que a irregularidade dos incisivos foi reduzida no grupo controle e no grupo com extração em 1,27 mm (DP=2,4) e 6,03 mm (DP=4,44), respectivamente. Porém, a irregularidade foi reduzida no grupo com extração às custas da redução do comprimento do arco.

Melhora na posição dos caninos superiores ectópicos.

Foi interessante eles não terem encontrado muitos estudos nessa área. Eles mencionaram um estudo sobre protração com máscara facial feito pelo Baccetti no qual a Expansão Rápida da Maxila (ERM) resultou num aumento de quase 50% da erupção do canino. Entretanto, eles não puderam analisar esse dado devido à questões de problemas no relatório.

Utilizando a abordagem GRADE, eles classificaram a qualidade da evidência dos estudos como baixa para moderada.

O que eu penso?

Essa foi uma boa revisão sistemática na qual foram incluidos somente RCTs. Eu recomendo que todos os ortodontistas leiam esse artigo interessante.

Como em todas as pesquisas, existem alguns problemas que precisam ser abordados. Por exemplo, os autores ressaltaram que esses etudos foram feitos em Universidade ou instalações hospitalares. Consequentemente, eles não devem refletir o que é feito ao redor do mundo e devem representar somente assistência secundária. Eles também sugeriram que mais estudos são necessários para ajudar a responder a essa importante questão. Eu concordo plenamente com a sugestão deles.

Eu também achei importante que eles não tenham encontrado muita evidência para suportar o tratamento precoce. Contudo, isso me leva à pergunta: – Ausência de evidência significa evidência de ausência do efeito do tratamento? Em outras palavras, deve existir um efeito do tratamento, mas nós não o encontramos devido à problemas metodológicos. Eu vou expandir esse assunto em breve num próximo post.

Um caminho a seguir?

Toda essa área de tratamento precoce é interessante e clinicamente importante, pois seria ótimo se nós pudéssemos interceptar o desenvolvimento de maloclusões severas. Apesar disso, nós também devemos nos lembrar que todos os tratamentos vêm com um preço em termos de riscos associados e o custo adicional para o paciente. Além disso, nós temos que considerar se é mais efetivo esperar até nossos pacientes ficarem mais velhos e então resolvermos os problemas deles com o tratamento em apenas uma fase.

Com respeito a isso, eu encontrei esse relato muito interessante no facebook. Está claro que o ortodontista quer ilustrar o tratamento dele e os comentários feitos por outras pessoas são complementares. Nós também precisamos nos lembrar que a filosofia ortodôntica dos Estados Unidos é muito diferente da de outras partes do mundo. Você pode ver que esse paciente tinha uma mordida cruzada em desenvolvimento e erupção normal dos incisivos com um diastema na linha média. Em alguns países os ortodontistas simplesmente iriam observar o desenvolvimento, em outros o ortodontista poderia corrigir a mordida cruzada posterior ou pedir a um clínico geral para corrigir esse problema, ou (como nesse caso um tratamento mais extensivo foi feito com expansor de HASS) utilizar aparelho fixo superior e fazer dois cefalogramas. Eu utilizei isso como uma ilustração para abrir a discussão sobre quem está certo e se isso importa.

Finalmente, nós podemos concluir que mais pesquisas são necessárias nessa área. Nós podemos fazer isso conduzindo pesquisas em consultórios de especialistas e utilizando os resultados que são relevantes para os nossos pacientes. Esse seria um ótimo estudo ortodôntico. Eu me pergunto se alguém vai fazer isso ou se nós vamos simplesmente basear nosso tratamento na experiência clínica, em boatos e Facebook.

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

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