A obesidade infantil aumenta a taxa de movimentação dentária?
A obesidade infantil aumenta a taxa de movimentação dentária?
Nos últimos anos, houve um aumento do interesse sobre os fatores que podem influenciar a velocidade da movimentação dentária. Até agora eu não tinha considerado se a obesidade teria alguma influência sobre isso. Porém, esse novo artigo sugere que a obesidade infantil aumenta a taxa de movimentação dentária.
Impact of Obesity on Orthodontic Tooth Movement in Adolescents:
A Prospective Clinical Cohort Study
H.F. Saloom S.N. Papageorgiou, G.H. Carpenter, and M.T. Cobourne
Journal of Dental Research https://doi.org/10.1177/002203451668844
Quando eu ví esse título pela primeira vez eu não sabia do que se tratava.
Apesar disso, quando eu lí o artigo eu achei interessante. Certamente, ele é diferente dos artigos científicos normalmente publicados em ortodontia.
Um grupo de Londres conduziu esse estudo. É curioso que Martyn Cobourne (autor principal) cresceu no mesmo bairro que eu, em Worcestershire. Porém, ele é 10 anos mais novo do que eu. É estranho pensar que um bairro de um país produziu dois professores ortodontistas! Eu fico imaginando se ele se lembra de brincar nesses balanços que ficavam atrás da minha casa.
Chega de lembranças, vamos voltar ao post. O objetivo deles foi investigar os efeitos da obesidade sobre o movimento dentário ortodôntico.
É bem conhecido que os níveis de obesidade infantil têm subido. Esse é um grande desafio devido às frequentes comorbidades que estão associadas à obesidade. Na revisão de literatura, eles relataram que os adipócitos produzem proteínas que influenciam a função metabólica e a resposta inflamatória. Isso pode influenciar a taxa de movimentação dentária ortodôntica. Eles investigaram isso por meio de um estudo cohort prospectivo.
O que eles fizeram?
Eles recrutaram pacientes que utilizavam aparelhos fixos com idades entre 12 e 18 anos com apinhamento na arcada dentária inferior entre 4 e 12 mm. Importante ressaltar que eles recrutaram, especificamente, pessoas jovens que eles classificaram como tendo peso normal ou obesidade.
Eles coletaram os seguintes dados:
- Alinhamento dentário de modelos escaneados utilizando o índice de irregularidade de Little.;
- Fluxo salivar sem estímulo prévio;
- Índice de placa e índice gengival;
- Análise do fluido crevicular gengival.
Eles colocaram aparelhos fixos padronizados e utilizaram um fio de níquel-titânio 0,014″ para o alinhamento inicial. Eles coletaram os dados em vários tempos diferentes e acompanharam os pacientes com intervalos de seis semanas. A coleta de dados final foi feita quando foi colocado o fio de aço 0,019×0,025.
O desfecho primário foi o tempo para se alcançar o alinhamento dentário na arcada inferior. Os desfechos secundários foram a taxa de movimentação dentária e os biomarcadores GCF.
Eles calcularam o tamanho da amostra utilizando os dados de um estudo prévio e realizaram uma relevante análise estatística univariada e multivariada. A pessoa que acessou os resultados e o estatístico foram “cegados”.
O que eles encontraram?
Eles recrutaram 55 pacientes (27 homens e 28 mulheres) com idade média de 15,1 anos e índice de irregularidade de 7,6 (2,4) mm. A média do índice de massa corporal foi de 19,4 no grupo com peso normal e 30,2 no grupo com obesidade. No início do tratamento, o grupo com obesidade possuía 1,2 mm a mais de irregularidade do que o grupo com peso normal.
Eles ressaltaram que os pacientes com obesidade precisaram de 23 dias a menos que os pacientes com peso normal para alcançar o alinhamento final. Mas isso não foi estatisticamente significante. Isso significa que esse achado pode ter acontecido por acaso.
A análise multivariada, que levou em consideração todas os fatores de confusão possíveis desse estudo complexo, mostrou que a obesidade infantil esteve associada ao aumento nas taxas de movimentação dentária durante todo o estudo. Essa diferença foi de 0,017 mm por dia. Eles também mostraram que existiram diferenças significativas nos biomarcadores inflamatórios entre os pacientes com obesidade e os com peso normal. Finalmente, eles sugeriram que isso pode explicar as diferenças nos desempenhos clínicos entre os pacientes com obesidade e os com peso normal durante o tratamento ortodôntico.
Eles concluíram que os pacientes com obesidade tiveram um aumento significativo nas taxas de movimentação dentária durante todo o período de observação. Entretanto, eles não encontraram nenhuma diferença no tempo gasto para atingir o alinhamento. Eles sugeriram que isso aconteceu porque o grupo com obesidade tinha um apinhamento maior do que o grupo com peso normal no início do tratamento.
O que eu penso?
Eu achei que esse foi um estudo ambicioso e detalhado de uma pergunta ortodôntica interessante. Os pontos fortes do estudo foram a sua natureza prospectiva e o fato de que a maioria dos pacientes foram incluídos na análise final. Mesmo que tenham sido perdidos alguns dos dados coletados das consultas de sete pacientes, eles incluíram todos os pacientes que chegaram ao final do estágio de alinhamento do estudo.
Os autores também fundamentaram bem a necessidade de conduzir o estudo. Eles também explicaram as base teóricas dos achados.
Eu estava interessado em vê-los relatar que os pacientes com obesidade precisavam de menos tempo para atingir o alinhamento completo do que os pacientes com peso normal. Entretanto, isso não foi estatisticamente significante. De fato, essa diferença dever ter ocorrido por acaso e nós não podemos afirmar que exista uma diferença. Quando a imprensa odontológica do Reino Unido relatou esse estudo, não levou isso em consideração e vários anúncios incorretos foram feitos. Esse é um bom exemplo de que mais cuidado é necessário, por parte da imprensa, na interpretação de um artigo científico.
De qualquer modo, eles mostraram que a taxa de movimentação dentária foi significativamente maior nas crianças com obesidade. Entretanto, eles também precisam se lembrar que isso é um pequeno tamanho de efeito. É interessante notar que isso é parecido com a taxa de movimentação dentária anunciada pelos fabricantes de vários dispositivos que são indicados para aumentar a velocidade de movimentação dentária!
Implicações clínicas?
Finalmente, eu pensei sobre as implicações clínicas desses achados. Eu não sei muito bem como esses achados podem ser úteis para o consultório. Nós não podemos recomendar aos nossos pacientes que fiquem obesos para acelerar o tratamento ortodôntico. Entretanto, isso ilustra para mim que existem muitas variáveis que podem influenciar a taxa de movimentação dentária. Consequentemente, o uso de dispositivos, trauma localizado, pílulas e poções não devem ter influência. As grandes influências devem ser mesmo o ortodontista e o paciente.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido
Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.