O que os nossos pacientes pensam sobre os benefícios do tratamento ortodôntico?
Estou muito surpreso e desapontado com o fato de uma grande quantidade de pesquisa ter sido feita para se identificar os benefícios do tratamento ortodôntico e, mesmo assim, ainda falte evidência confiável sobre tais benefícios. Esse novo estudo nos traz informações úteis.
Nos últimos 40 anos, muitos estudos tentaram identificar os benefícios do tratamento ortodôntico. Infelizmente, tais estudos têm apresentado falhas significativas em seus desenhos e seus achados não são úteis. Além disso, os pesquisadores têm utilizado medidas de resultados tais como os índices cefalométricos e oclusais. Infelizmente, tais medidas são relevantes apenas para os ortodontistas e não para os nossos pacientes. Portanto, fiquei realmente interessado em ver esse novo estudo que utilizou uma abordagem qualitativa para descobrir as visões dos pacientes sobre os benefícios dos tratamentos que receberam.
Há poucas semanas, postei sobre um estudo qualitativosobre os fatores que influenciavam no uso do Twin Block.Expliquei como essa técnica, relativamente nova para a Ortodontia, poderá ser muito útil, já que nossas pesquisas avançam para a observação dos efeitos de tratamentos mais complexos. De fato, a pesquisa qualitativa envolve a entrevista de pessoas e a posterior análise dos resultados de uma forma padronizada. Sua principal vantagem é que esse método reúne opiniões e sentimentos sobre o tratamento ou seu resultado. Assim, os achados são muito relevantes para os nossos pacientes.
Um grupo da sofisticada cidade de Londres fez esse estudo. O EJO publicou o artigo.
Perceptions of outcomes of orthodontic treatment in adolescent patients: a qualitative study
Nahla AlQuraini, Rupal Shah and Susan J. Cunningham
EJO: doi:10.1093/ejo/cjy071
O que eles perguntaram?
Eles quiseram descobrir:
“O que sentem os pacientes a respeito de seus tratamentos?”
O que eles fizeram?
Eles fizeram um estudo qualitativo transversal. O grupo do estudo perguntou aos pacientes, que tinham idades entre 13 e 18 anos ao final do tratamento ortodôntico, se queriam participar do estudo. Usaram uma técnica chamada amostragem propositiva, que é quando os investigadores identificam um amplo conjunto de critérios de inclusão e procuram participantes com tais características. No estudo, os principais critérios de inclusão foram gênero, etnia, tipo de má-oclusão e tempo desde que os aparelhos foram removidos.
O próximo estágio foi conduzir entrevistas semi-estruturadas (1:1) utilizando um guia pré-preparado por tópicos. Eles continuaram a entrevistar os participantes até as respostas primárias, ou temas, começarem a se repetir. Isso é chamado ponto de saturação.
Eles gravaram e transcreveram as entrevistas. Em seguida, três membros do grupo do estudo leram as transcrições para identificar os principais temas, utilizando uma técnica chamada análise temática com abordagem de estrutura. Não sou muito familiarizado a isso, mas acho que isso permite ao grupo identificar e extrair as principais percepções dos participantes.
Se você está se perguntando se tais dados não seriam muito leves, eu concordo, mas é uma boa forma de reunir informação que é relevante para os pacientes. Porém, compreendo que os ortodontistas que gostam de “dados pesados” terão dificuldade com esta abordagem.
O que encontraram?
Eles forneceram uma grande quantidade de informação na forma narrativa. Não tenho espaço para falar sobre tudo isso. Mas, tentei identificar os pontos principais.
Eles entrevistaram 8 homens e 12 mulheres. Os temas principais que foram relacionados aos resultados foram:
- Mudanças de comportamento relacionadas à saúde
- Saúde dentária
- Influências psicológicas
Estes tiveram vários subtemas e eles utilizaram citações para ilustrar os achados.
Mudanças de comportamento relacionadas à saúde
A maioria dos participantes relatou uma preocupação maior com a higiene oral e uma necessidade de melhorar a dieta após o tratamento.
“Estou mais preocupada com a limpeza e a higiene dos dentes agora que passei pelo tratamento. Por conta dos meus dentes estarem mais alinhados, sinto que preciso cuidar deles. Passei por anos de tratamento, não devo deixar isso se perder”.
Saúde Dentária
Um tema importante foi a melhora percebida nos dentes e na estética facial. Eles também relataram melhora na função e menos acúmulo de alimentos e retenção de placa.
“Estou realmente feliz, agora que fiz o tratamento os dentes parecem muito melhores…imagine se eu tivesse que passar o resto da minha vida com os dentes como eram antes, eu realmente os odiava”.
Influência psicossociais
Isso esteve associado à aparência quando sorriam, sentindo-se mais confortáveis quando se olhavam no espelho ou eram fotografados. Isso foi particularmente relevante quando consideraram a influência das mídias sociais.
“Comecei a sorrir mais com meus dentes…quando tiro fotos, sorrio o tempo todo, como no Instagram e coisas do tipo e a maioria das minhas fotos são com a boca aberta”.
Eles também relataram um aumento da autoestima e confiança, aumento da aceitação e melhora nas interações sociais.
“A melhor coisa é mais confiança…não tenho mais vergonha dos meus dentes. Isso faz me sentir melhor comigo mesmo”.
A conclusão geral foi que encontraram benefícios reais e essenciais, que são importantes para o ortodontista e o paciente conhecer.
O que pensei?
Tenho que admitir que sou um pesquisador da Ortodontia “das antigas”. Tendo a achar estes artigos desafiadores de se ler e entender porque os dados não possuem números. Porém, quanto mais eu leio pesquisas qualitativas, mais eu me torno receptivo a esta metodologia e seus resultados. De fato, se estivesse começando a minha carreira de pesquisador novamente, estaria usando esta abordagem. Isso porque seu objetivo é reunir resultados essenciais para nós, na medida em que nos distanciamos dos valores dos ortodontistas. Tenho esperança de que as técnicas qualitativas nos permitirão identificar os principais resultados do tratamento ortodôntico, que é algo que temos falhado em fazer, até agora.
Eles seguiram técnicas qualitativas padronizadas e o artigo foi bem escrito. Particularmente, gosto do uso das citações dos pacientes.
Achei que os achados deles foram lógicos e claros. Recomendo que todos os leitores deste blog deem uma olhada no artigo, se puderem passar pela barreira do EJO!
Meu pensamento final é que espero que essa linha de pesquisa possa ser adotada amplamente. Seremos, pelo menos, bem-sucedidos em descobrir mais sobre os efeitos reais e o valor do tratamento ortodôntico.
Traduzido por Klaus Barretto Lopes
Professor Adjunto de Ortodontia e Saúde Bucal Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Emeritus Professor of Orthodontics, University of Manchester, UK.