April 16, 2018

Um novo estudo feito na Síria sobre os aparelhos funcionais pré-fabricados nos traz resultados interessantes.

 

De tempos em tempos alguém faz um grande estudo. Este estudo foi feito na Síria e a sua publicação foi atrasada pela crise na Síria. Vale a pena dar uma lida.

Este estudo é sobre o controverso tratamento ortodôntico miofuncional. Esta filosofia de tratamento é baseada no tratamento precoce com aparelhos pré-fabricados e exercícios musculares. Seus proponentes afirmam que estão tratando a causa da má-oclusão e que os aparelhos são mais efetivos do que o tratamento convencional. Além disso, o resultado deste tratamento seria mais estável que o tratamento convencional. Na teoria, existe alguma lógica. Porém, apesar da grande divulgação feita pela Pesquisa Miofuncional, ainda faltam evidências sobre tais afirmações. Eu postei sobre isto antes e tive uma discussão interessante com o assessor científico da Pesquisa Miofuncional. Inicialmente eles pareceram interessados em conduzir alguma pesquisa comigo como um assessor, mas quando eu perguntei para eles se estariam preparados para fazer um estudo onde os pacientes seriam randomizados para o tratamento convencional e o miofuncional, o silêncio foi ensurdecedor.

Este estudo foi feito por um grupo da Síria e é um exemplo para todos que resistem em conduzir pesquisas clínicas sobre os seus produtos.

Soft- and hard-tissue changes following treatment of Class II division 1 malocclusion with Activator versus Trainer: a randomized controlled trial

Ghassan Idris et al

European Journal of Orthodontics, 2018, 1–8 doi:10.1093/ejo/cjy014

Eles perguntaram:

“Quais são os efeitos dos ativadores e dos aparelhos pré-fabricados sobre os tecidos moles e duros?

O que eles fizeram?

A Pico foi:

Participantes: Crianças entre 8 e 12 anos com overjets maiores do que 4mm. Eles foram recrutados por meio de um programa de triagem;

Intervenção: Aparelho Miofuncional para crianças (T4K). Este é um aparelho pré-fabricado. Foi pedido para as crianças usarem o aparelho duas horas por dia e durante o sono. Todos os participantes usaram um aparelho mole nos primeiros 6 meses e um aparelho duro no tempo restante de tratamento;

Comparador: Ativador convencional utilizado 15 horas por dia;

Desfecho: Análise cefalométrica ao início do tratamento e 12 meses depois.

Eles realizaram um bom cálculo do tamanho da amostra. Eles se basearam na diferença de 1 grau no ANB. Isto é bem pouco e me pergunto se, por conta disto, foi conferido mais poder ao estudo do que realmente deveria ter. Porém, o cálculo mostrou que eles precisariam de 30 participantes em cada grupo. Isto reduziu o problema de se ter um pequeno estudo que relata efeitos espúrios.

Eles utilizaram uma randomização pré-determinada e ocultaram a alocação com envelopes selados. Infelizmente, não ficou claro se a entrada dos pacientes foi feita antes da alocação. Isto leva ao estudo algum tipo de viés.

O que eles encontraram?

Eles randomizaram 30 pacientes para cada intervenção. Ao final do estudo, dois pacientes com ativadores e quatro com T4K abandonaram o estudo.

Eles apresentaram uma grande quantidade de dados cefalométricos e isto foi um pouco confuso. Sendo assim, eu selecionei apenas alguns dos resultados mais importantes na tabela a seguir.

Resultado final Ativador T4K p
ANB 4,53 (1,69) 6,21 (2,04) 0,001
Wits 1,57 (1,44) 2,50 (1,69) 0,2
Overjet 4,20 (2,1) 4,61 (2,14) 0,001

 

Eles concluíram que um tratamento de 12 meses com um ativador resultaria em melhores alterações do que com o T4K. Além disso, o ativador também foi melhor do que o T4K na redução do overjet e na normalização do padrão dos tecidos moles.

Na discussão, eles sugeriram que isto pode ter acontecido por conta do maior tempo de uso do ativador. Eles também ressaltaram que o T4K era bem flexível e não manteve a mandíbula tão à frente quanto o ativador.

O que eu pensei?

Eu achei que foi um estudo bem conduzido e interessante. Os pontos fortes foram:

1          Eles investigaram uma questão clínica relevante;

2          O estudo teve um número adequando de pacientes e ocorreram poucos abandonos;

3          A randomização e a ocultação foram boas;

4          Eles obtiveram e analisaram os dados de maneira cega.

Os problemas a seguir foram potencialmente problemáticos:

  1. Não ficou claro se eles alocaram o tratamento após terem inserido os pacientes no estudo. Isso significa que existe um potencial para viés. Apesar disto, os grupos eram similares no começo;
  2. Eles mediram apenas os dados cefalométricos. Além disso, as diferenças entre os dois grupos após o tratamento foram bem pequenas. Eu não acho que elas foram clinicamente significantes.
  3. Analisando tudo em conjunto, acho que este artigo nos traz informações clínicas úteis e sugere que não existem diferenças clínicas reais entre o ativador e o tratamento com o T4K.

Nós agora precisamos considerar se existe alguma vantagem no uso do T4K, pois ele é pré-fabricado e pode ser colocado sem a necessidade de moldagens. Eu acho que isso é um benefício considerável deste tipo de aparelho. Eu também gostaria de ver mais pesquisas sobre os resultados de todo o tratamento com este aparelho.

Comentários finais

Finalmente, eu gostaria de considerar se os resultados deste estudo e de um estudo anterior feito por Emina Cirgic suportam as declarações publicitárias feitas pela Pesquisa Miofuncional. Eu olhei no website deles onde fazem declarações dizendo que os aparelhos melhoram a respiração, o desenvolvimento das arcadas, o crescimento das arcadas e proporcionam maior estabilidade no longo prazo. Talvez, eles devessem fazer alguma pesquisa sobre tais declarações antes de fazê-las.

Porém, parece que os aparelhos miofuncionais que foram testados nos dois estudos clínicos produziram resultados parecidos com os dos ativadores convencionais. Este poderia ser utilizado como um ótimo anúncio para se vender os aparelhos miofuncionais para os ortodontistas. Não teria necessidade de se promover os aparelhos fazendo-se referências às declarações mágicas. Eu me pergunto por que eles não fazem isso.

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

 

 

 

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