November 07, 2016

Outro experimento sobre protração maxilar mostra que ela funciona: mas funciona mesmo?

Outro experimento sobre protração maxilar mostra que ela funciona: mas funciona mesmo?

Poucas semanas atrás eu discuti um trabalho que mostrou que intervenções precoces com protratores poderiam corrigir maloclusões de Classe III. Esse novo trabalho investiga a efetividade da protração maxilar com ancoragem esquelética. Os autores concluíram que ela foi efetiva. Mas é mesmo?

Eu acho que uma das mais promissoras inovações recentes na ortodontia foi a introdução da protração maxilar com ancoragem esquelética. Hugo De Clerck desenvolveu essa nova técnica e ele tem demonstrado séries de casos muito impressionantes. Se trata do uso de elásticos de classe III entre mini-placas instaladas no osso zigomático e na região mentoniana que protruem a maxila. Esse estudo recente avaliou essa técnica e foi publicado no AJO-DO.

screen-shot-2016-11-04-at-17-18-10Comparative evaluation of 2 skeletally anchored maxillary protraction protocols

Mohammed H. Elnagar et al

Am J Orthod Dentofacial Orthop 2016;150:751-62 DOI:http://dx.doi.org/10.1016/j.ajodo.2016.04.025

O que eles fizeram?

Esse estudo foi feito em dois centros. Os autores mediram os efeitos da máscara facial com ancoragem esquelética e dos elásticos de classe III com ancoragem esquelética.

Trinta pacientes em crescimento com maloclusão de classe III foram randomizados formando 3 grupos de 10. Foram eles:

  • Máscaras faciais ancoradas em mini-placas colocadas nos pilares zigomáticos;
  • Elásticos de Classe III entre as mini-placas da maxila e da mandíbula;
  • Grupo controle sem tratamento.

Eles utilizaram medidas cefalométricas como desfecho primário.

Eles fizeram radiografias cefalométricas antes e após a protração maxilar ou observação, digitalizaram as radiografias e então analisaram uma grande quantidade de variáveis cefalométricas.

O que eles encontraram?

Não existiam diferenças entre os três grupos ao início do tratamento. Eles observaram os participantes por, aproximadamente, nove meses.

Eles apresentaram os dados numa tabela muito detalhada com múltiplas variáveis cefalométricas que eu achei muito difícil de interpretar. Eles, também, conduziram análises estatísticas multivariadas com o risco de encontrarem diferenças estatísticas somente devido ao acaso. Eu decidi que a melhor forma de discutir esses dados seria selecionar umas poucas variáveis relevantes. Eu as coloquei nessa tabela aqui:

Alterações nas variáveis cefalométricas que eu selecionei (médias e 95% IC1)

Variável Máscara facial Elásticos de Classe III Controle
ANB (graus) 5,99 (5,04-6,94) 6,04 (5,32-6,76) 0,82 (0,4-1,24)
A-VertT 4,87 (3,9-5,6) 5,81 (5,04-6,56) 1,18 (0,81-1,55)
A-NPerp 5,55 (3,98-7,12) 6,07 (5,27-6.87) -0,73 (-1,1-0,36)

De uma forma geral, pareceu que a maxila foi deslocada anteriormente, significativamente, nos grupos tratados quando comparado ao grupo controle. Existiu muito pouca diferença entre as duas intervenções. As mudanças cefalométricas foram clinicamente e estatisticamente significantes e, interessantemente, os intervalos de confiança foram pequenos e, mais uma vez, clinicamente significantes. Os autores utilizaram uma grande quantidade de detalhes na discussão e mostraram belos relatos de caso. No geral, eles concluíram que o tratamento utilizando protração maxilar com ancoragem esquelética atingiu resultados favoráveis no curto prazo.

 O que eu penso?

Eu pensei que esse era um artigo interessante no qual os investigadores tentariam responder uma pergunta clínica muito relevante. Mas não ficou claro para mim se isso era um experimento. Quando eu li o artigo pela primeira vez eu pensei que ele era. Entretanto, isso não estava claro nem no resumo nem no artigo. Isso foi uma surpresa para mim, pois o AJO tem padrões elevados na forma que eles relatam os experimentos.

Colocando isso de lado, eu não encontrei o cálculo do tamanho da amostra, o método de randomização e a forma de ocultação. Não ficou claro o número de abandonos e parece que o tratamento foi concluído para todos os pacientes. Isso normalmente é reportado em um experimento. Como resultado, não está clara para mim a natureza desse estudo.

Mas, talvez o mais importante, eu não vi nenhuma evidência de cegamento para a obtenção dos dados. Isso é crucial em qualquer estudo, por conta dos vieses que podem ocorrer, particularmente com a obtenção de dados cefalométricos. Existe uma grande probabilidade de que isso possa levar a viés no estudo.

Minha outra preocupação foi que eles não deram nenhuma informação sobre como eles se asseguraram de que a mandíbula não estava posicionada, posturalmente, para frente quando os cefalogramas iniciais fora obtidos. Isso, mais uma vez, é uma importante questão que eu gostaria de ter visto ser esclarecida.

Eu me pergunto se eu estou sendo um pouco crítico com esse estudo, mas ele realmente sugere que esse tratamento é efetivo. Em vista dessas questões com relação à metodologia, obtenção de dados e potencial viés, eu temo não estar tão confiante. Minha preocupação é particularmente relevante quando eu considero que esse tratamento é bastante invasivo e envolve um procedimento cirúrgico moderado. Com certeza eu gostaria de ver um estudo mais robusto antes de adotar esse tratamento.

Eu me pergunto se o tratamento interceptativo com máscara facial é uma opção melhor do que esse método de correção da Classe III.

 

NT

1-Intervalo de Confiança

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

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