May 22, 2017

O último prego no caixão dos auto-ligáveis…ou não?

 

O último prego no caixão dos auto-ligáveis…ou não?

Os leitores desse blog sabem que eu tenho feito vários “posts” sobre os auto-ligáveis. Recentemente, eu li um novo estudo que avaliou se os auto-ligáveis reduzem o tempo de tratamento.

Eu vou começar esse “post” com um breve resumo do nosso conhecimento sobre os auto-ligáveis. Eu acho que, em muitos aspectos, essa é a clássica estória de descoberta, lançamento de um produto e o teste final acaba mostrando que ele não é melhor do que os outros produtos. Quando os auto-ligáveis foram popularizados os fabricantes dos braquetes fizeram vários anúncios sobre os benefícios da nova tecnologia. Inicialmente esses anúncios foram suportados por estudos retrospectivos. Em seguida foram promovidos por líderes formadores de opinião (que frequentemente faziam os estudos). Finalmente, alguns anos mais tarde, estudos randomizados foram feitos. Como todos nós sabemos, esses estudos mostraram que não existiam vantagens (ou eram muito limitadas) dos braquetes auto-ligáveis sobre os braquetes convencionais.

As revistas têm publicado vários estudos que avaliaram os auto-ligáveis. Ainda que esses estudos tenham aumentado o nosso conhecimento, eles tenderam a se concentrar em fases específicas do tratamento ortodôntico como, por exemplo, a taxa de fechamento de espaço, o alinhamento e a redução da sobremordida. Para o meu conhecimento, só existiu um estudo que avaliou o efeito dos auto-ligáveis sobre o tempo total de tratamento.

Um grupo da Grécia fez esse estudo para descobrir se o uso dos auto-ligáveis resultaria na redução do tempo de tratamento. O Journal of Orthodontics publicou esse artigo.

Treatment duration and gingival inflammation in Angle’s Class I malocclusion patients treated with the conventional straight-wire method and the Damon technique: a single-centre, randomised clinical trial

Eleftherios G. Kaklamanos et al

Journal of Orthodontics: http://dx.doi.org/10.1080/14653125.2017.1316902

O que eles fizeram?

Foi um estudo controlado randomizado com dois grupos e alocação de 1:1. A questão PICO foi:

Participantes: Pacientes com maloclusão de Classe I com deficiência de espaço de pelo menos 9 mm;

Intervenção: Tratamento ortodôntico com braquetes Damon 3;

Comparação: Tratamento ortodôntico com braquetes convencionais;

Resultados: Duração do tratamento, Pontuação no Índice Gengival, Pontuação no PAR.

Um operador tratou todos os pacientes e os atendeu a cada 6 ou 8 semanas.

Eles utilizaram um esquema pré-definido de randomização e a alocação foi ocultada em envelopes.

Eles não puderam “cegar” os pacientes nem o operador para a alocação do tratamento. Mas eles coletaram e analisaram os dados de forma “cega”.

Eles conduziram um cálculo de tamanho de amostra baseado na capacidade de se detectar uma diferença de 4 meses, levando-se em consideração um tempo de tratamento de 24 meses.

O que eles encontraram?

Eles randomizaram 22 pacientes para as duas intervenções (11 para cada). Todos os pacientes foram tratados sem extrações.

Não existiram diferenças entre os grupos ao início do tratamento. Eu incluí os dados do fim do tratamento nessa tabela:

Interventionmm/28daysDifference
No MOPS0.5 (0.28-0.7)0.6 (0.52-0.76)
MOPS1.1 (0.8-1.32)

A diferença na duração do tratamento foi de 2,25 meses (95% IC -0.40-4.9) que não foi estatisticamente significante. Isso quer dizer que o uso dos braquetes auto-ligáveis não resultou em redução do tempo de tratamento.

O que eu pensei?

Na discussão eles ressaltaram que foi considerado um tempo médio de tratamento de 24 meses para o cálculo do tamanho da amostra. Porém, no estudo, eles encontraram que esse tempo foi alguns meses menor do que o estimado. Isso pode ter resultado numa possível falta de poder do estudo para detectar uma diferença.

Isso se torna ainda mais relevante quando observamos os intervalos de confiança das diferenças a 95% detectados por eles. Enquanto contém zero (sugerindo que não tem diferença), devemos considerar que isso foi marginal. O valor de P foi de 0,09, sugerindo que existe 9% de probabilidade de aceitar incorretamente que não existe uma diferença. Finalmente, os intervalos de confiança a 95% são bastante amplos, sugerindo que existe incerteza nos dados. Eu acho que todos esses problemas são um efeito do tamanho bem pequeno da amostra do estudo.

Não posso deixar de pensar que, embora o estudo tenha sido bem conduzido, existem receios sobre o pequeno tamanho da amostra. Isso me leva a imaginar que se eles tivessem incluído uma amostra maior, poderia ter existido uma diferença estatisticamente significante. Consequentemente, meu próximo passo é analisar o tamanho do efeito que foi de 2,25 meses. Nós precisamos avaliar se isso é clinicamente significante e isso você que vai decidir.

O que podemos concluir?

Minha interpretação desses dados sugere que esse estudo está, provavelmente, com poder insuficiente. Consequentemente, eu não estou muito confiante em suas conclusões.

Apesar disso, antes dos praticantes dos auto-ligáveis ficarem animados, isso não muda o atual estado do conhecimento sobre os auto-ligáveis. Ainda existe uma ausência de evidência de que esse tratamento seja mais efetivo do que os feitos com os braquetes convencionais.

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

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