June 07, 2017

Vamos falar sobre micro perfuração óssea…

Vamos falar sobre micro perfuração óssea…

Recentemente, numa conferência, eu estava discutindo sobre “formas de fazer os dentes se movimentarem mais rápido”. Após a minha apresentação, um participante me perguntou sobre a evidência que sustentava a micro perfuração óssea ou MPO. Assim, vamos falar sobre MPO/Propel…

A líder em MPO é a Propel. Eu vou começar dando uma olhada no website deles. Ele é pequeno, compacto, não contém muita informação e mostra que a Propel tem dois produtos principais. Um é o VPro5, que é um aparelho de vibração intra-oral parecido com o AcceleDent, mas que você só precisa usar cinco minutos por dia. Eles anunciam esse aparelho como um “adaptador de alinhadores”. Eles não forneceram nenhuma evidência para sustentar seu uso.

O outro produto deles é chamado Excellerator. Trata-se de um método de MPO que envolve a realização de pequenos buracos no osso alveolar para acelerar a movimentação dentária. A única evidência fornecida para sustentar seu uso foi um artigo publicado no AJO-DDO em 2013.   Eu já postei sobre esse artigo antes, mas eu vou dar mais uma conferida nele…

O artigo que nos fornece a evidência

Effect of micro-osteoperforations on the rate of tooth movement

Mani Alikhani et al

Am J Orthod Dentofacial Orthop 2013;144:639-48

DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajodo.2013.06.017

Na introdução do artigo os autores ressaltaram que, como a habilidade dos clínicos e a cooperação do paciente influenciam na duração do tratamento, o principal fator de controle da taxa de movimentação dentária é a biologia óssea. Em seguida, eles apresentam uma teoria de que o trauma causado diretamente no osso estimularia a produção de quimiocinas, levando ao aumento da atividade osteoclástica e da taxa de movimentação dentária. Eles citaram alguns estudos feitos em animais para suportar isso.

Um estudo em alguns ratos que morreram…

Então eu dei uma lida no artigo que eles citaram, que foi publicado no Journal of Dental Research e você pode encontrá-lo aqui.

Eles pegaram 48 ratos e colocaram uma mola do molar ao incisivo. Em seguida eles aplicaram uma das quatro intervenções a seguir nos ratos:

  • Aplicação de força ortodôntica sem ativação;
  • Aplicação de força ortodôntica com mola;
  • Aplicação de força ortodôntica com abertura de um retalho na mucosa;
  • Aplicação de força ortodôntica, abertura de retalho e várias perfurações no osso alveolar.

Eles avaliaram os níveis de vários marcadores e citocinas, mas eu estava mais interessado na movimentação dentária. Eles escreveram somente um parágrafo sobre essa parte do estudo onde não foi descrito como eles mediram a movimentação dentária, além de escreverem que ela foi feita após 28 dias. Eles relataram que a média da movimentação dentária foi de 0,29 mm para o grupo que recebeu a força ortodôntica e de 0,62 mm para o grupo que recebeu a força ortodôntica mais a perfuração.

Infelizmente, não foram fornecidos os desvios-padrão nem os intervalos de confiança, sendo informado apenas que as médias de movimentação dentária foram significativamente diferentes. Nós precisamos notar que o tamanho do efeito das intervenções foi de, aproximadamente, 0,3 mm/mês. É importante ressaltar que o cálculo foi feito a partir de uma amostra com somente 12 ratos em cada grupo.

E acho que, baseado nesse escasso número de dados, eles não poderiam ter concluído com confiança que a taxa de movimentação dentária foi aumentada. Assim, não existe uma boa evidência aqui. Vamos voltar para o artigo do AJO…

O que eles fizeram?

Eles fizeram um estudo clínico randomizado com grupos paralelos e alocação de 1:1. O estudo foi delineado para detectar uma diferença de 50% na taxa de movimentação dentária. Eu não pude conferir esse cálculo, pois não foi fornecida informação suficiente.

A PICO foi:

Participantes: Pacientes em tratamento ortodôntico entre 18 e 45 anos de idade;

Intervenção: Micro perfuração óssea;

Controle: Sem intervenção;

Desfecho: Taxa de retração do canino medida em modelos de estudo.

Eles não forneceram nenhum detalhe sobre a randomização, geração da sequência e ocultação da alocação. Essa é uma grande deficiência do artigo e os resultados do estudo possuem um alto risco de viés por conta disso.

Eu também fiquei realmente confuso sobre como eles alocaram as intervenções e eu tive que me esforçar para descobrir o que eles fizeram. Eu acho que foi isso o que aconteceu:

Eles randomizaram os pacientes para:

  1. Um grupo experimental que recebeu MPOs nos lados direito e esquerdo. Eles randomizaram os lados, mas não deram os detalhes sobre como fizeram isso;
  2. Um grupo controle que não recebeu MPOs.

Então eles compararam a taxa de movimentação dentária entre os grupos experimental e controle. No grupo experimental, eles também fizeram uma comparação entre o lado que recebeu MPOs e o lado que não recebeu MPOs. Na realidade, eles introduziram um componente de estudo de boca dividida ao trabalho. Eu não sei por que eles fizeram isso, pois essa conduta trouxe confusão e dificuldade na interpretação dos dados.

Os residentes que fizeram o tratamento não foram “cegados” para a alocação. Isso é razoável e compreensível.

Eles obtiveram os modelos de estudo ao início da retração do canino e 4 semanas depois. O operador desenhou linhas verticais na superfície palatina dos caninos e mediram a distância de tais linhas até o incisivo lateral utilizando paquímetros digitais. Eles fizeram comparações simples com a relevante estatística univariada.

O que eles encontraram?

Vinte pacientes completaram o estudo. Eles ilustraram as diferenças entre os grupos utilizando fotografias clínicas. Eles apresentaram os dados da movimentação dentária utilizando gráficos e não figuras, o que me fez ter muita dificuldade para interpretá-los. Eu não sei muito bem o motivo de tal conduta. Eu estimei esses dados (média e IC 95%) dos gráficos deles.

PAR before treatmentPAR after treatmentTreatment Duration
(months)
Invisalign20.8 (18.1-23.4)4.08 (2.3-5.6)13.3
Fixed22.7 (20.4-24.9)2.6 (1.9-3.2)19.0

Agora nós precisamos analisar esses dados cuidadosamente. No meu entendimento, como a diferença média (tamanho do efeito) foi de 0,6 mm/mês, se olharmos para os intervalos de confiança, poderemos observar que tal diferença poderia facilmente ser de 0,5 a 0,7 mm/mês. Isso significa que existe uma alta incerteza nos dados. Apesar dessa incerteza, os autores concluíram que a intervenção aumentou significativamente a taxa da movimentação dentária. Eles também afirmaram que as MPOs puderam reduzir o tempo do tratamento em 62%. Eu não tenho idéia de como eles chegaram a essa conclusão.

O que eu penso?

Eu realmente tive problemas para entender esse estudo. Eu achei os métodos confusos porque eles utilizaram uma combinação de um estudo paralelo 1:1 com um estudo de boca dividida. Além disso, eu achei que a falta de clareza nos métodos levou a um alto risco de viés.

Eu também não consegui entender o motivo pelo qual eles utilizaram gráficos e fotos clínicas para apresentar os dados. Nós realmente precisamos ver alguns números aqui.

Eu também pensei sobre o tamanho do efeito com respeito às taxas normais de movimentação dentária. Baseado na literatura, parece que a taxa média de retração do canino é de, aproximadamente, 1,1 mm/mês. Isso é parecido com a taxa que eles encontraram nesse estudo no grupo MPO. Em outras palavras, as MPOs não pareceram acelerar a retração do canino quando comparada à taxa média.

Em segundo lugar, o tamanho do efeito foi somente de 0,6 mm/mês. Isso não foi muita coisa e eu me pergunto se isso vale o custo e o incômodo adicionais das MPOs.

Finalmente, eu acho que a conclusão geral de que as MPOs poderiam reduzir o tempo de tratamento em 62% não foi suportada pelos dados obtidos pelo estudo deles.

Resumidamente, existem muitos pontos nesse artigo que não estão claros e eu realmente me pergunto se isso fornece evidência de que a Propel aumenta a taxa de movimentação dentária. Seria ótimo ver estudos de grande escala sobre esse tratamento, uma vez que essa técnica pode ter um potencial.

Pensamento finais

Atualmente, nós temos apenas um pequeno estudo com 20 pacientes (com alto risco de viés) e um estudo com alguns ratos sem o detalhamento de como a movimentação dentária foi medida. Isso não deveria ser o suficiente para se adotar um novo tratamento.

Por enquanto, nós temos que concluir que existe ausência de evidência de que a MPO seja efetiva…mas vamos continuar a promover essa forma de tratamento sem comprovação.

 

Traduzido por Klaus Barretto Lopes

Professor Visitante da Universidade de Manchester, Inglaterra, Reino Unido

Instrutor de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

 

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